Estou há 1 hora parada na frente da minha casa. Nem é meio-dia. A bicicleta, encostada à sombra. Procuro um raio de sol pra me esquentar. Deixei Luna no Centre de Loisir (curso de férias) às 8h30. Algumas horas antes, ao chegar à minha casa, enfiei a chave na fechadura da garagem (única porta de entrada). Por meia hora, tentei girar, mas não consegui. Sou bruta, tenho a mão pesada, fui cuidadosa. Não alcançava o fundo da fechadura, na maçaneta plástica, moderna e nova. Não estava com celular nem com documento. Uma indigente. Sequer sabia número de telefone do marido, dos sogros, do CVV Samaritano.
Estava trancada fora de casa.
Marcoussis é uma cidade é pequena, talvez o bombeiro ou a polícia pudessem me ajudar. Fui até a Prefeitura. Ouço a voz da atendente dizer que nem polícia nem bombeiro me ajudariam. Minha casa é privada. E encerrou o assunto, voltando-se para seu balcão. Perguntei onde ficava o chaveiro da cidade. La Serrurerie. Disse que não havia na cidade, mas num num centro comercial próximo. Pedi gentilmente que procurasse na internet um telefone do serviço.
Não era razoável ir até a autoestrada de bike, além de 3 hs ida-volta.
A atendente levantou-se do balcão, arrastando a "pantufa". Usou o computador, anotou um número no papel. Eu estava sem telefone, sem dinheiro. Sem amigos na cidade. Orientou-me a pedir emprestado o telefone de um vizinho. A Prefeitura não fazia ligações 0800. De volta, toquei a campainha de 4 vizinhos - os quais, depois de 3 meses, ainda não havia me apresentado, nem levado bolo quando nos mudamos pra lá. Ninguém me abriu a porta. Sei que um vizinho estava, pois sempre deixa os sapatos à porta, quando entra na casa.
A velhinha do lado também, por estar sozinha, preferiu não atender.
Quase desistindo, um quinto vizinho deixa a luz entrar. Abre a porta. Fiz meu discurso. Deu-me seu celular, mas não se envolveu no problema. Entrou na casa, continuou seus afazeres. Ao telefone, depois de 5 minutos explicando o caso à Serrurerie, gaguejei e a telefonista riu de maneira cínica. Ela havia me perguntado a forma de pagamento. Cheque. Perguntei o valor. 300 euros. Foi nesse momento que gaguejei, ao repetir o valor, a "ficha caiu. C'est chère! Disse à senhora-ironia que iria pensar. E desliguei. Voltei ao Centre de Loisir.
Lá estava Humberto, o diretor, um português caridoso a descobrir.
Apesar de ambos conhecerem a língua portuguesa, falamos em francês. Gentil e tranquilo, cedeu-me a secretaria, pegou na ficha da minha filha o telefone da nossa seguradora. Buscou na internet o número telefônico da agência que nos alugou a casa. Alguém teria a cópia da chave da porta-automática, para suspendê-la (automaticamente, claro). Se eu conseguisse uma cópia dessa chave com o proprietário (que também era português, mas não me lembrava o nome), talvez não fosse preciso arrombar a porta ou trocar a fechadura a 300 euros.
Na agência imobiliária, a secretária eletrônica anuncia "férias".
Perguntei ao Umberto se o proprietário da "minha" casa não era o pai dele, ou ele. Não era. Liguei para o Mathieu. A última coisa que queria fazer era interromper seu trabalho. Sua voz rasgou a escuta do aparelho telefônico. Explicou-me coisas que não sabia. 1- A seguradora cobraria para abrir a casa. 2- Perderíamos o bônus para o próximo ano. Na França, tem que fazer seguro pra tudo, até para o aluno é obrigatório (seguro escolar e extra-escolar). O seguro do nosso apê no Brasil cobre isso e pagamos 35 reais/mês.
Jamais imaginaria essa epopeia.
Mathieu havia deixado a chave dele na fechadura, na parte de dentro da casa. Eu não vi. Abri e fechei a porta/portão pelo botão automático interno, na garagem. Meu marido sugeriu que pegasse um arame para enfiar na fechadura e empurrar a chave que estava na parte de dentro. Desliguei o telefone. Humberto me deu um enorme clips. Pedalei de novo até à casa, as coxas doíam, já havia pedalado bastante para uma manhã sem compromisso. Durante meia hora, empurrei o arame e não funcionou. Voltei ao Centre de Loisir. Pedi de novo o telefone emprestado.
Arrombar a casa? Uma coisa era certa, não pagaríamos 300 euros.
Mathieu chega de carro. Desce dele. Começa o trabalho. Coloca e gira a chave com força na fechadura. A chave quebra. Passa uma régua de ferro por debaixo da porta e a suspende como um macaco faz ao pneu do carro. Dá certo. Com muito esforço, a levanta o suficiente para seu braço podervpassar por debaixo da porta e pegar a chave na fechadura interna. Em 5 minutos, trabalho feito. Em 6 minutos, com suas ferramentas mágicas, desentorta e parafusa a porta (desfaz impecavelmente o estrago). Se despede, volta ao trabalho. Entro em casa. Prometo. Nunca mais sair dela, sem celular, documento, dinheiro, e sem antes checar várias vezes se há (ou não) chave na fechadura interna da garagem. Por isso agora quando faço cooper, levo tudo.
Daqui a pouco, vou correr até como laptop na mão.
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