terça-feira, 30 de novembro de 2010

Flúor Invernal

Certa manhã, algo estranho se passou em Marcoussis. Um homem com roupa larga, vestido com colete flúor, correu em minha direção. Pensei: é o lixeiro. Mas não era dia de coleta. Em vários outros o mesmo se passou, e com rostos novos. Não em dia de coleta. Achei intrigante aquela ocorrência na França.

Concluí que, nessa época, deveria ocorrer muitas obras da Prefeitura na cidade. Ou algo mais bizarro. Uma invasão fluorescente. Ou nada disso. No inverno, aqui, 8 da manhã é 5 da manhã no Brasil. E 5 da tarde, é 9 da noite. A maioria das pessoas em Marcoussis corre, e se precave. Era esse o motivo.

É "très a la mode" vestir colete flúor para não ser atropelado na beira da estrada nem por um alce, um corvo, nem por uma bike e, principalmente, pelo trenó ou pelas renas do Noel (sinalizados também). Decidi vestir o colete. Dá mais trabalho do que se arrumar para ser noiva no altar.

Mas se faz muito importante ser "fashion" para se integrar a uma cultura que não é sua. Voilá, a lista das etapas anteriores ao colete. Vestir uma blusa justa do tipo sous-pull, e por cima, polar, quentinha e macia, depois jaqueta fechada, corta-vento. Tudo manga comprida. E, tiens tiens, o colete.

E a parte debaixo? Legging ou meia-calça de lã e, por cima, meia de corrida, que alivia impacto e de compressão e, depois, meia de montanha. Coloque o tênis. Vista a calça de corrida, ou de esporte de aventura. Gorrinho quente na cabeça, luvas de lã, ou de neve. Saia, siga a rota e boa corrida! Difícil mesmo é tirar a roupa pra tomar banho. Mas o que fazer, sou uma vítima da moda.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Paisagem Grisalha

Era pra chegar na sexta. Aqui em Marcoussis. Na quinta já caia no Norte da França. Na madrugada de hoje, ela veio. Deslizou do céu, do ar, das nuvens. Aterrisou nos telhados das casas, nas copas das árvores e arbustos. Finalmente, nos carros, no chão, no verde, asfalto, na terra e pedra.

Mathieu acordou Luna antes das 7 para mostar a visita que esperávamos há dois dias. A neve. À mesa, tomamos o café da manhã e o assunto era somente ela. Um véu sagrado. Preparadas, banho, roupa, luvas, chachecol, bota de neve, parca, capacete, coloquei Luna na garupa da bike para levá-la à escola.

Antes de montar, a pequena tocou, pegou a neve, sem parar de falar seu nome. E partimos. No percurso, duas crianças foram hipnotizadas e devoradas pela paisagem grisalha. Na escola, os amiguinhos de Luna falavam sobre mesmo assunto, queriam se divertir com os flocos, fazer bolas, arremessar.

Voltei pra casa, coloquei o tênis de corrida e, a - 2 graus C, me aventurei pela primeira vez a correr os meus míseros 5 km (que de 3 vezes por semana, caiu pra 1 vez...). A neve não dá nem mais nem menos disposição. Mas é delicioso! Porém. Perigo. Na estrada, tudo desliza.

Não costumo correr em floresta fechada, pois é mais frio e sempre penso que um cigano irá me sequestrar, me violar ou que encontrarei um lobisomem em pleno dia. Prefiro às estradas, paisagens abertas, onde posso "escanear" tudo. O som da sola do pé mastigando, triturando o gelo é agradável. A textura lembra areia fofa. 

Na estrada é importante desencantar-se se um pouco do vista-daiquiri quando carros, caminhões, ou mesmo o Super-Homem passam. Corro a 10 km por hora, não sou veloz, mas respeito à sinalização. Nas narinas, as famosas "patinhas de ovelha". Não é sexy, mas muito divertido. Seja bem vindo, cenário nevado.



quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sempre a mesma merda, Basquiat!

Década de 80. Nas ruas nova-iorquinas, jovens e ricos, os yuppies desfilam em suas vespas. Negros dançam hip-hop nas escadarias. Pelas calçadas, vê-se transitar artistas plásticos famosos, escritores beatniks, músicos do cenário underground. Uma grande efervescência cultural, no período denominado New Wave.

Nessa bolha, todos estavam juntos. Andy Warhol, Mapplethorpe. Nicholas Ray, Allen Ginsberg, William Burroughs. Arto Lindsay, Ramones, Blondie, Talking Heads, os ingleses do Clash. Jim Jarmusch, Eric Mitchell, Amos Poe. Jenny Holzer, Kiki Smith. Julian Schinabel, David Salle. Keith Haring.

E, nesse instante histórico, tocava na vitrola de Basquiat, Janis Joplin, Jimmy Hendrix, seus ídolos que, como ele, morreram de overdose. O artista viveu tão intensamente a década de 80 que morreu antes dela terminar, aos 27 anos, 1 ano após seu vampiro-guru-mentor de cabelo prata falecer.

Até aí, nada de novo. Sempre a mesma merda. SAMO© (Same Old Shit), pseudônimo de Basquiat, viveu de 1979 a 1981, saiu das ruas do Brooklyn, parou de vender postais e camisetas pintadas por ele, e partiu às galerias de Manhattan. Rapidamente caiu na graça de importantes galeristas da época como Bruno Bischofberger (Zurique), Emilio Mazzolli (Modena), Annina Nosei (NY).

De descendência porto-riquenha (materna) e haitiana (paterna), nasceu no Natal de 60 e deu seu último suspiro em 87. Mas antes curtiu 1001 noites em clubes como Mudd Club, Club 57, CBGB's, bem-mal acompanhado por drogas como cocaína, heroína, crack, speedball. Porém muito antes e durante todo esse turbilhão, produziu 1000 telas e 2000 desenhos!

E o conjunto dessa obra está no MAM de Paris, numa exposição considerada tão importante quanto às exposições que ocorreram no Whitney Museum (92) e no Brooklin Museum (2005). Telas e objetos vieram de diversos países como Estados Unidos, Itália, Suíça, França, para expor seu traço intenso e primitivo. 

O visitante pode ensaiar desvendar a alma de Basquiat, relembrando o comportamento de uma década inteira, de todos os artistas, músicos, grafiteiros, “marqueteiros", escritores, que vivenciaram e fizeram a onda "New Wave/No Wave" e onde ocorreu a primeira importante exposição em NY de artistas gráficos e pintores da geração yuppie na "New York/ New Wave, à PSI”, em 81.

Para dar sentido à sua vida, Jean-Michel Basquiat, que não se considerava grafiteiro, não pixava apenas seu nome em metrôs, fez sua arte "primitiva" (que tem um "q" de arte voodoo e  de pinturas pré-histórica em cavernas), permeada de frases enigmáticas, que se fragmentaram em papelões, geladeiras, portas, quadros, pelo mundo afora, sussurando causos nos ouvidos dos mais curiosos. 

Até janeiro de 2001
11 avenue du Président Wilson 
75116 Paris 
Tél : 01 53 67 40 00
Aberto de terça-feira a domingo, de 10h às 18h (caixas fecham às 17h15)
Noturno quinta-feira até as 22h (caixas fecham às 21h15).
Fechado nos feriados
11 euros






terça-feira, 16 de novembro de 2010

MAM - Musée d'Art Moderne de la Ville de Paris et Jean-Michel Basquiat

Chuva fina, frio, tudo suportável com a roupa correta. Na frente do MAM, começava a fila com mais de 100 pessoas. Três exposições em cartaz até janeiro de 2011, entre elas a de Larry Clark (diretor e fotógrafo de Whassup Rockers, Kids) e a de Jean-Michel Basquiat, o motivo da nossa ida à galeria.

A chuva engrossa, estamos esperando há meia hora. Algo nos surpreende, o segurança do MAM nos chama para "cortar" fila, estamos com criança, mas também estamos com guarda-chuva. Entramos porém, antes, emprestamos o guarda-chuva a 3 amigos, descobertos e desconhecidos, atrás de nós.

Ao entrar, outra surpresa, somos comunicados que há uma chapelaria (não muito comum nos museus, galerias parisienses) e gratuita. Deixamos nossas bolsas (documentos levamos), casacos, boinas, luvas. No saguão, uma enorme foto de Basquiat. A filha posa com o pai para a mãe.

Compramos a entrada, 9 euros, em seguida Mathieu leva Luna ao banheiro. Nesse ínterim um dos amigos devolve o guarda-chuva. E agradece quase sem palavras com olhar cândido. Certamente, esse tipo de gentileza não é muito comum nas cidades grandes e turísticas (talvez nem a eles).

Ao entrar na galeria com a minha enorme câmera dependurada no pescoço, entrego meu ticket, escaneio, e parto pra algumas fotos. Minutos depois, sou repreendida. É proibido fotografar. Peço desculpas. Não havia um letreiro informando. O bilheteiro não me alertou. Juro, não foi "trucão" de minha parte (olha ele lá, na foto abaixo, de terno bordô, vindo em minha direção).

Visito apenas com os olhos. Mathieu é paciente e cuida da Luna. Mostra a ela algumas pinturas, compreensíveis ao universo dela. Os traços de Basquiat são de um garoto com pouco mais de 7 anos de idade, todavia a mensagem não é naif. Imaginei a interpretação de um pscólogo sobre o desenho do artista, nascido no Brooklin, morto no auge da carreira, aos 28 anos, de overdose.

Mas prefiro o ponto de vista de um artista, como o de Johnny Depp, é mais poética, algo como: Nada pode substituir o calor e o imediatismo da poesia de Basquiat, nem as questões e as verdades definitivas que ele transmite... A cacofonia de seu silêncio... Basquiat foi, Basquiat é musica... Primitiva e feroz.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Em breve (1985)...

Grande Galeria da Evolução

Frio, chuva, família: operação (des) organização do feriado. Decidi seguir meu próprio conselho e continuar, num outro dia, à visitação de uma das pontas do iceberg do Museu Nacional da História Natural.

E lá fomos nós à Grande Galerie de l'Évolution, onde era a antiga Galeria de Zoologia inaugurada em 1889. Ali, a diversidade do mundo vivo, elefantes, girafas, borboletas, tartarugas, albatrozes, se contrapõe com os visitantes. 

Animais empalhados ou reconstítuidos perfeitamente como eram, dividem o mesmo espaço conosco. Vista de longe ou do alto, a galeria parece um filme nonsense onde bicho e gente circulam juntos em harmonia, num mesmo sentido. 

A iluminação é aconchegante e quente, o que permite o visitante permanecer num estado de estranhamento, fascinado pela arquitetura art nouveau do batimento, de mesma estética Torre Eiffel.  Impressionante e restaurado, o prédio é singular.

Luna queria apenas correr, subir e descer as escadas alicerçadas com barras de ferro, mas crianças com mais de 5 anos estavam atentas à exposição junto aos pais. Dentro da Grande Galeria da Evolução, esqueci que, lá fora, fazia 5 graus e chovia.

Um dos momentos mais importantes da visitação está sala de animais desaparecidos ou ameaçados de extinção, ali, iremos refletir sobre a história, sobre a urgência do homem se conscientizar e se reconciliar com natureza. 

Grande Galerie de l'Évolution.
36, rue Geoffroy Saint-Hilaire, Paris, 5ème.
Aberto todos os dias, das 10h às 18h. Loja. Lanchonete
Entrada: 9 euros
www.mnhn.fr

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Galeries d'Anatomie comparée et de Paléontologie

Sob chuva, no 5 ème, admiro os parisienses correndo num pequeno bosque colado a um prédio, construído em 1896 por Ferdinand Dutert, arquitetura precursora da Art Nouveau. Entro na Galeria de Anatomia Comparada e de Paleontologia.


Esse batimento, de decoração naturalista, teto com barras de ferro e pedras, traz monstros pré-históricos à tona, sem carne, sem pele. Às vezes, só fósseis, que saltam aos nossos olhos. Das lindas janelas enormes, a vista do bosque, os espiam.

Mesmo ao não amante da paleontololgia, a experiência pode ser fantástica, surpreendente. Sair da teoria da "dimensidão" e comparar nossa ínfima proporção em relação a certos animais que outrora existiram.

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Um pouquinho de tudo está na galeria. Da era primária à quartenária. Tipos. Peças ligadas à história. Espécies desaparecidas recentemente (como o lobo marsupial, extinto em 1961). Ossos de animais raros. Monstros. 


Coleções anatômicas guiam a diversidade da natureza em mais de mil esqueletos. Do imenso esqueleto da baleia rorcal às afiadas presas das morsas. Do extinto e gigante jacaré à colunas vertebrais do tamanho da minha sala.


Mas essa galeria é a "ponta do iceberg" do Museúm National D'historie Naturelle. Pegue mais de 1 dia para aproveitar melhor a diversidade histórica, natural e científica que há no Museúm. Como plantas e animais vivos.


Para ter acesso ao mapa e saber como chegar lá. mnhn.fr. Para comprar sua entrada: cultival.fr Menores de 26 anos não pagam. Aberto todos os dias, das 10h às 17h. Sábados, domigos e feriados escolares das 10h às 18h. Tarifas: 7 euros.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Vachement, les vaches

Intimidadora, não?

E ela não está só.

No que elas estão pensando?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

França Profunda. Coleção Outono.


Antes de virar a página, das árvores ficarem nuas, um registro fotográfico do outono em l'Orne, região onde os pais do Mathieu nasceram e se conheceram. Ainda hoje os avós, pais da minha sogra, com mais de 80 anos de idade moram lá.

Chute des feuilles. Um momento que paralisa no tempo, milhares de folhas tombam do alto da copa das árvores. A sensação é de chuva, num ritmo mais lento, irreal, elas flutuam e curtem o instante antes de repousarem no chão.

Essa é a França profunda, uma parte dela. Alguns usam esse termo de maneira pejorativa. O interior do país. Honestamente, não é o meu caso. Ver a alma além da aparências é sempre um previlégio.

Em breve não restará folha sobre folha. Renovacão. O outono se vai.